Uma
incrível surpresa. Nise, o Coração da Loucura é um dos filmes mais belos e
edificantes que já vi. Roberto Berliner, de a Farra do Circo (2014) e Herbert
de Perto (2009), com um roteiro escrito a várias mãos, nos apresenta algo
lindo, poético e extremamente intimista. Embora a atmosfera do filme seja
desalentadora, há uma brisa de esperança que traz uma certa felicidade ao
assistir o longa.
O
filme flerta com o gênero de documentário, mas tem sua liberdade enquanto
dramatização. O enredo se resume à história de Nise da Silveira, (Glória Pires)
psiquiatra afastada do hospital psiquiátrico onde trabalhava por ter em posse
livros marxistas. Nise volta ao trabalho enfrentando, além do machismo
incrustado na sociedade brasileira da década de 40 e a tendência anticomunista
do período, seus colegas fortemente resistentes às propostas da psiquiatra em
relação ao tratamento dos internos. Em um contexto onde os métodos de
tratamento de pessoas com transtornos mentais focavam em abordagens
extremamente violentas, fazendo uso de eletrochoques, lobotomias e isolamento
social fomentadas pela ignorância e falta de empatia, Nise traz uma revolução
ao propor lidar com essas pessoas de modo mais humanitário, ao melhor estilo
Patch Adams, talvez um pouco menos colorido do que o filme estrelado por Robin
Williams, de 1998, representa.
Por
meio das belas artes, a doutora constrói um ambiente muito menos hostil aos
internos em tratamento. Aqui começa uma escalada intensa, belíssima e cheia de
altos e baixos. O elenco de apoio de Glória Pires atua de forma cativante neste
momento de transformação, suportados pela musicalidade de Leonardo Rocha,
também roteirista do filme. Roberto Berliner e Leonardo Rocha combinam
incríveis tomadas com uma trilha sonora mágica, apresentando uma forma de
poesia que só a sétima arte pode proporcionar.
Embora
poético e otimista em alguns momentos, é um filme que te deixa fragilizado.
Passa uma sensação de impotência e em alguns momentos proporciona grande raiva
devido os surtos de agressividade gratuita, de doutores e funcionários do
hospital psiquiátrico, decorrentes da falta de conhecimento e interesse em
relação às formas de lidar de maneira mais produtivas e menos invasivas com os
pacientes. Em contrapartida, as evoluções de alguns personagens, antes
apáticos, são apresentadas de maneira tão lúdica, a passos inocentes, mas
sinceros, que torna-se impossível não soltar um sorriso bobo ao assistir o
filme. Nise, o Coração da Loucura é uma grande obra do cinema brasileiro, que
provavelmente será subestimada e logo será esquecida, não por falta de
qualidade ou qualquer ponto negativo, mas sim por possuir pouco espaço no
cenário nacional mainstream e por
acabar sendo ofuscada pelos grandes blockbusters internacionais. Pode ser uma
perspectiva pessimista, mas infelizmente embasada em outras experiências quando
se trata do cinema nacional. Espero estar errado.